domingo

solo la sed/ el silencio (...)

solo la sed
el silencio
ningún encuentro

cuídate de mí amor mío
cuídate de la silenciosa en el desierto
de la viejera con el vaso vacío
y de la sombra de su sombra.



                    * * *


SÓ A SEDE

Apenas a sede
o silêncio
nenhum encontro

cuidado comigo, meu amor,
cuidado com a silenciosa no deserto
a viajante de copo vazio
e a sombra de sua sombra.



ALEJANDRA PIZARNIK



                       * * *

ARTE POÉTICA


Incendiarse
en 
la palabra.

Crecer 
en 
libertad.


RUBÉN VELA


                     * * *

AS SOMBRAS

deixa que esta noite chegue até a margem
deixa que a sombra oculte pouco a pouco o mar
ele não interrompe sua ronda
não faz pausas em seu caminho
deixa que esta noite surpreenda nosso eco
e a terra firme de tua alma

se olhares melhor as sombras perderão seu equilíbrio
vão abrir-se em claridades e a água voltará a seu leito

se olhares muito elas rasgarão suas entranhas
e a aurora sairá do mar
para estender-nos sua mão orvalhada
e um silvo longo e claro

então poderemos andar pelos atalhos e os montes
até a noite seguinte
até que se aproximem outra vez as margens da água
os limites do espelho e da lua. 

EDGAR BAYLEY






sábado

Canto selvagem

Sob as garras do abutre queria morrer
Aos pés de uma natureza selvagem
Para que dessem conta que nessas terras
Distantes havia deixado de ser-me
Posta apenas para morrer na floresta
Entre galhos e colibris aos pés
Queria ser posta para o outro lado
Onde meu grito fosse vazio porque
Ninguém o escutasse só
Os pântanos o rio e as aves
Que soltariam um canto agudo
Onde o tempo é maior que a morte.



Poesia inédita Carol De Bonis 

Adentro a casa

Diria a casa com suas memórias
duas pontas de uma única teia enovelada
as paredes de um mar condensado desintegrando
a casa com suas memórias aquáticas
um túnel azul tinto
derramado de intangível o céu.

Perguntaria se as casas possuem uma memória anterior
se os olhos são respostas para a sinceridade
se debruças respondendo com o olhar
vês como uma prece ao silêncio esses muros
o soar no distinguir de uma estrutura
na ilusão do pó.

Adentro a casa
sabendo da memórias de outros espaços
deslocando o esquecer-me para saber
da memória das coisas
para me reconhecer no grão
pousado daqui aos objetos de luz
invenções sutis no instante
em que saio da margem do que sou
rumo ao afogamento da alma
e seus entes submersos.



Poesia inédita Carol De Bonis



imagem: Andrew Wyeth

segunda-feira

Os ruídos das pedras / lavam as memórias adormecidas





Os ruídos das pedras secaram os princípios
De se nomear. Quando digo hoje
Digo o princípio das coisas sem nome
Como os pêssegos que contornam meus ombros
O corpo brando deslizável
Dentro o princípio de confetes
Dentro um deserto e alado o cavalo
Partiu a oeste. Seu norte o terceiro nome
Ao que contorna o corpo
Sinto no vento todos os rostos sobre a face
E nas noites um eu profundo personagem de mim
Abre as pedras lava as memórias adormecidas. 


Poesia inédita Carol De Bonis

Abrem-se as cenas


Em qual cena do trauma há mais luz
Em quais páginas se perdeu a pétala seca
Em quanto imprecisa ficou a voz
Para que abríssemos o mundo como quem escuta
Os sinos da estação.
Destruíram a igreja nasceu outra geração
Leram-te jornais de guerra
Mas defronte a ponte
As dúvidas se recriam de flor
Aflita do amor a primeira
Premissa em qual cena
Você me diria adeus?



Poesia inédita Carol De Bonis

domingo

Regras para Raduan - por Ana Miranda.

1. Procurar orquídeas no mato.
2. Rachar lenha.
3. Acender a lareira e ficar olhando o fogo.
4. 1 cálice de vinho aos sábados.
5. Olhar as mulheres.
6. Acariciar o próprio corpo.
7. Fumar charutos, e não cigarros.
8. Comer rúcula.
9. Passar a língua nos lábios.
10. Um dia de silêncio.
11. Usar calça de veludo.
12. Casaco de caxemira.
13. Ler poesia para passarinhos.
14. Abraçar árvores.
15. Escrever os sonhos.
16. Ouvir música caipira.
17. Andar a cavalo.
18. Deitar na relva.
19. Observar os cabelos das pessoas.
20. Ir ao lupanar.
21. Dançar na frente do espelho.
22. Caminhar de uma a outra cidade.
23. Andar descalço.
24. Usar chapéu aos domingos.
25. Cozinhar.
26. Apaixonar-se por uma argentina.
27. Chorar no banco da praça.
28. Comprar flor do flanelinha.
29. Cuspir nos cadilaques.
30. Poesia na areia.
31. Comer sempre à luz de velas.
32. Apaixonar-se por uma meretriz.
33. Dançar tango.
34. Rasgar alguns livros.
35. Copular, copular.
36. Nunca pensar em morrer.

sexta-feira

a cada manhã, ao acordar, eu me digo [Edmond Jabès]

A cada manhã, ao acordar, eu me digo: Não conceda nenhum crédito a seu pensamento. Registre e anote.
E rastreio tudo o que se oferece - ou se esconde - à visão. Impiedosamente.
Por preguiça ou desinteresse, nem sempre anoto. É preciso aprender escrever com palavras plenas de silêncio.
Todo livro não é a anedota ou a história trágica da perda de um livro?
Um jogo, certamente. Não me acontece esquecer quem sou e onde estou?
Venho de outro país; com certeza é por isso.
Lembro-me, entretanto, que quando eu ainda vivia na terra de minha infância, tinha a impressão de vir de outro lugar, de outra cidade, de outro continente, sem nunca chegar a saber exatamente quais seriam.
Ignorar de onde se vem quase significa confessar vir de nenhum lugar. Mas isso é ridículo.
Eu me calava. Fazia como se...
Sou um silencioso. Pergunto-me, graças ao recuo que agora tenho de minha vida, se esse gosto pronunciado pelo silêncio não tem sua origem na dificuldade que sempre tive de me sentir pertencer a um lugar qualquer.
Antes de conhecer o deserto, eu sabia que ele era meu universo. Somente a areia pode acompanhar uma palavra muda até o horizonte.
Escrever sobre a areia, à escuta de uma voz do além-tempo, os limites abolidos. Voz violenta do vento ou, imóvel, do ar, essa voz resiste a você. O que ela anuncia é o que o agride ou esmaga. Palavra das profundezas abissais das quais você é senão um ruído ininteligível; a sonora ou inaudível presença.
Se fosse preciso uma imagem para o Nada, ela nos seria dada pela areia. Poeira de nossos liames. Deserto de nossos destinos.
Para o desenraizado, a árvore é o elemento da paisagem que não o retém.
Pedras anônimas, edifícios se erguem à gloria do anonimato. Ó cidades em que erro à procura de meu passado ancestral, lendo-o em cada ferida revelada pela espessura dos muros fendidos. Apesar de vocês, suas pedras amordaçadas de cimento e cal me reconheceram; pois, como eu, elas não são daqui, e não se lembram senão da noite, úmida e compacta. de onde foram extraídas.
Vivi da errância, como o capitalista vive de suas rendas, tendo, de meus antepassados, herdado uma terra hostil. Terei de acrescentar que ela talvez tenha sido, em sua hostilidade, meu único bem?
Estrangeiro, apenas um mundo estrangeiro poderia ser o meu.

(1989)

quinta-feira

Uma espécie de perda



Foi-te uma espécie de perda
Começo como se perderam os dias
De uma infância. Falo-te assim como
Quem se despe do corpo
E chega recém-nascida
Aprendestes a respirar
Debaixo d’água e anos depois
Quando as folhas mudaram as estações
Mesmo emergisse dos ares
E nas ruas todos seguiam acontecimentos
Decadentes quando a ciência morria
Outra espécie de perda, mas você disse,
Nos fica os pântanos as botas enlameadas
A efêmera partida de rebanhos e hoje
Voltaríamos com as chaves para a casa
Pela rua do sol da infância. 


quarta-feira

O prazer do texto: paráfrase de Barthes


Inocente do que não se protege em catedrais ou em lugares sagrados. Ou até naquilo que se protege e cuida dos perigos da vida. Seria se não soubesse da bomba atômica, mas da ciência do voo do pássaro, soubesse medir distâncias e encantos. Não é inocente feito uma mulher que se abre em templo, nem nas atitudes desmedidas de crianças, seus deslimites ocupa espaços que nos levam a estar em outras partes, ora juntos ora separados, mas sempre em viagens de sóis, bebendo dos cântaros as sonoridades da luz. É uma inocência diferente que os fazem ver como não inocente (por mentalidades), mas não é a mulher inocente que se transforma em mulher imoral (transgredir, como a mãe que conta histórias fantasiadas para os niños), quando escutar o segredo maior está no vento. O resíduo inocente não é o prazer do texto. O resíduo é a parte que sobra e que não pode ser julgado por coletividade alguma, aquilo que se transforma e se recria, as respostas do autor póstumo, as dobras, a encenação da obra, que já não está no momento anterior em que foi significado como alguma coisa, mas está na paisagem que o gera.Porque a infância não está na infância está na face com o vento que a gera. Por esta vem a inocência, uma qualidade infante de estar sempre outra para o mundo. Nascendo ao instante, ao apelo, à deriva, aos litorais, tocando todas as margens. Ao amor? Qual o prazer? 







  
                                                                                imagem: Henri Matisse, 1952

terça-feira

Azuláceo


Me ensina o caminho da infância, como posso mirar esse espelho sem reconhecer-me, como pode sobre nossas cabeças um domingo azuláceo deitar-se em cinzas, o mesmo domingo de casamento não outro dia de cinzas, como pode ser assim essa noite para sempre na memória?



                                                  imagem: Manoel de Barros

segunda-feira

Contornando devagar

Desde quando insinuo
os amores ao redor de meus passos
sentindo em mim espécie de perda
secreta.
Sentindo amor que não és
quem em mim me procura
mas o labirinto de meu
desejo em desejar-te
sendo quem em mim me
procura na fenda perdida
na clave sonora
em que nos seduzimos, as palavras
contornando devagar
lançadas ao arcabouço
em que fundas a pátria
num amor correspondido, deve ser
por isso, as histórias de amor
são sempre estrangeiras
outro país com terras adentro
em nos mesmos.




domingo

Ao redor de um amor

o passado regressa num espectro de mulher
soletro os dias na espera do amor
para chorar em qualquer habitação segura
e derramar nos móveis todos os papéis queimados

você olha o vidro as folhagens de cedro
e sabe não deter nada
enquanto um passo ao redor do teu
retoma a narrativa do que nunca se disse

parado num arco de corda
na moldura guarnecida
ela acena e retorna
ao que soubesse do amor
nada avisa nada detém

me infiltrei no assoalho de tantas voltas
retorci o arco desta arpa
num giro de dança
o amor não assina debaixo do desenho
não marca os caminhos
e deixa os rastros anônimos.


                                         Carol De Bonis



(poesia inédita - 2012)




Antes de dizer adeus

Antes de dizer adeus a cidade pode inundar dizerem de uma guerra e que o mundo pode explodir, atravessamos a rua distraídos e entramos num café qualquer porque a paixão ou qualquer nome da existência humana é demasiadamente mais do que a luta silenciosa dos homens, mesmo duas xícaras de café.

 Antes, nunca me senti a vontade de largar tudo nem tamanha vontade de ser outra, a mesma que me chama fundo desde lá o início desta concentração límpida que lancei ao mundo, pois concentração era meu único afazer minha única obrigação com o mundo, mesmo que eu de início não soubesse para que tamanha inspiração ao redor. Tudo me chamava a esse chamado deveria obedecer.

A resposta foi-me entregue anterior a descoberta, por isso, desconhecendo a resposta entregue por minha procura, quando se encontra a chave num arcabouço secreto a chave foi-me dada antes que desvendado o mistério. Entendia os sentidos dos livros e que os personagens se perdiam antes que eu fosse forte as suas confissões, enquanto isso uma corrente me falava de abalos sísmicos, de terremotos, eles sabiam de vinganças.

A resposta que encontro aqui é que é preciso esquecer de alguma coisa que nem sei bem o que é, talvez a própria vontade de procurar-me, sonoridade vaga pelo mundo e estar a vontade com o que fui dentro lá no íntimo quando fugia de mim mesma, quando fugia de todos e as coisas não tinham a menor importância, quer dizer, outras coisas tinham importância não essas.

O amor é agora assim uma perda secreta, uma parte descoberta ou é aquele hemisfério onde pousaram as primeiras bandeiras de um continente a se esvair. Ser tão estranhamente só me dá uma enorme liberdade de ser que quero no momento exato em que descubro a fala mágica do momento, o gesto persuasivo, o olhar terno do outro e saber que a cidade pode se afogar
.





quarta-feira

Mergulho fino fluído

                                    
   
                       Desterrar a origem anterior ágrafa
A ecoar dentro do berço
De teu nascimento, como em renúncia
Curva-se a rasgarmos fluída
A memória do mar, cada sílaba
De água invadida das formas
Finas de caligrafia.














Dizer está sempre fora do que dizemos.



Dizer está sempre fora do que dizemos


Um.

Dizer está sempre fora do que dizemos
o ato se reproduz em deslocamentos
volta antes e me encontro depois
a língua se desdobra fora do contorno ao redor
dos teus lábios lentamente ao redor da sala meus passos

haveria na gaveta o esquecimento de papéis amarelados
em que não pude registrar e contornei as dobras
de um lado ao outro por personagens
sempre brandos que não viveriam na gaveta
porque a vida diferente do amor 
era sempre antes da janela e da despedida
enquanto esquecia os papéis me acenavam
esquecia as estações e o mar em marulhos
fustigando as leis do som como dois sóis
expelindo dentro da sequência de letras

nunca fiquei dentro do que sabia existir
o círculo do registro e o aceno
estou sempre fora do que digo
aceno na pele o que suponho melhor você

Dois.

Você disse
catástrofe enquanto eu me dirigia levemente
ondulante e distraída para a cozinha
depois do mar da praia do azul do invólucro
de pensar que caminhava sozinha sobre meus pés
você disse direcionava os olhos para as xícaras
postas no armário as xícaras de café da avó eu disse
e vestia dois panos orientais repetiu suavemente
após lamber os lábios de cima da letra
a catástrofe imaginei ser um terremoto na ilha
quantos milhares atingidos
a casa e suas memórias destroçadas
a letra muçulmana na memória subterrânea
as ânforas trincadas serenamente
nossa posterioridade em minha alma anterior perdida
um dia da paisagem do corpo
nem todas as civilizações nômades
pensei ser a melancolia de um homem
mas perdoei depois pensei ser a morte
mas não sabia meu corpo saliente
afundando no oceano

pensei o que não queria
mas depois todo coração ficou brando
a dor cabia lá acenando lírios
era sim estampada no jornal do dia
homens com lírios no peito
a guerra sem destinação e silenciosa
lembrei de como distendia
até que pousasse em quem nunca fui
uma assombração todos os parágrafos devem ser encerrados
a prosa de quando nada mais cabe
dentro quando um transbordamento sem destinação.

Três.

Você voltou e acho que eu não estava mais ali 
regressei e eles sabiam
de terremotos e vinganças
talvez tudo nunca tenha existido
eles silenciavam e previam
nem a ilha nem qualquer parágrafo de cremação
nem esse sonho em vigília
de uma catástrofe selvagem

apenas meu corpo que se via na praia naquela manhã.