quinta-feira

Antes das conspirações do tempo


Antes de haver as conspirações com o tempo
Havia cantos veneráveis para
Em teu abstrato pousarmos a vida
Onde tudo fosse relativo
Os segredos encolhiam-se nas areias
- o mar inteiro dentro da voz - Se venho,
De uma espécie terrestre, é por conhecer o som 
da terra. Se me confundo com as ostras é
Por guardar demasias de sentimentos
Mudos e silêncios. Uma longa
História de furtos a montanha
De pirâmides e um deserto
E sei que você será como um vulcão
E que a minha tristeza pode ser
Neve e ao fechar os olhos
Não veja mais a árvore frondosa
Origem de seivas e hoje, ausentada
Mineral, a mais inocente das flores,
Da presença do mundo
Da crueldade dos seres
Microscópicos vivendo em bando.
Por osmose minha pele na tua
Como minha mão na tua ou todas
As palavras pronunciadas e também
As não pronunciadas que habitam 
A garganta outras os gestos e outras
Ainda os olhares. Viver pode ser isso:
Uma espécie de existência contra
As inquietações
Das manhãs quando os bichos de erguem
Calmamente do casulo.
Uma explosão
Antes o tempo cíclico
Bem vivesse dentro do sol
A gôndola da brisa fosse
Imensa a desfazer o instante
Iniciático ato de vida.
Seus moinhos de vento a respirar
Como se a vida mesma
Se surpreendesse em sua mesma
Existência de viver 
Atravessada a infância com os pés
No chão barro vermelho
Por esse caminho
Não tivesse compasso para medir
Um quadrado que coubesse
Na lua, só depois eu inteira desaparecendo
no tempo. E quem sóis?  

Foi o tempo
O vento o cisne dos olhos
Só sei que se me
Perguntasse sobre o amor
Teria respostas, mas talvez não
Soubesse mais o que fazer com elas.
Porque as conspirações
São sempre silenciosas
E se te roubaram o tempo
É por que jamais ele
Houvesse lhe pertencido
Ou por que se não sabes
O caminho sou eu que refaço
Sempre o mesmo laço
Com a proa apoiada na amurada
Para trás  despedidas a terra
Sendo aquática  gira a manivela
Para falar, desta vez, de humanidade. 









  

sábado

Os vestígios


Não fui senão aquela quem procurou dentro de ti
Os vestígios ao intangível, pela doação
De um peito. Coração aberto,
Cicatriza.

Uma rocha de minérios e calcários fostes
Fossem as begônias e um verão,
Cigarros, um sofá, um filme sem legendas,
Enquanto esfumaça e confesso a história
Outra vez, a fábula enterrada no silêncio
Uma vez, todo ouro retirado, em cetim
E o linho branco dos impérios.   

Teríamos radiantes as almas de um destino
Se ao atirassem em precipícios amores
Vidas em abismos, salvos seriam
Por suas dores em cantos.

Seria uma obsessão espraiada
Pelas peças de uma engrenagem
Que faça rodas da dor
Que faça curvas e peripécias com o destino
Para aguardarem as violetas
E as rosas ainda por desabrochar?

O corte brilhante daquele sangue espesso
Cicatrizei com as nadadeiras de um mar profundo.
Quantas profundezas a sondar os mistérios
E os minérios do pensamento?


 

terça-feira

A origem ágrafa



 





      
A origem ágrafa

 

Desterrar a origem ágrafa
A ecoar dentro do berço
De teu nascimento, como em renúncia
Curva-te a rasgarmos
Fluída cada sílaba do mar
Invadindo as formas finas
De caligrafias.
Depois, navegamos
Nesses feixes onde o tempo
Divide e corta
A tarde daqui a entrada
Da primitiva casa
As casas, dentro delas,
Um corpo que ainda fala.
O silêncio das sereias
Seria anterior ao traço da paisagem
Interna? A ausência de som,
As casas, dentro delas,
Um corpo que ainda fala:
Cada sílaba invadida de água
Cada passo submerso sem direção
Ainda que fragmentária
Desfaz-se o som com que ocuparia
Meu coração. Sons do passado,
Nossos e ao redor.
Mas à entrada da primitiva casa
Cada passo, cada pássaro,
Derrama a ampulheta ao tempo:
Chega a hora de nos tornarmos eternos
Como se fosse estranho envelhecermos
Enquanto estou só, as casas possuem
Um exílio anterior.
Enquanto da janela
Acompanho-me de um quadro antigo
Desviado do alvo do tempo
No fundo há uma lágrima, mas se
Aproximas a vê-la dentro, é a criança,
A infância do menino que segue
Caminhando a história para trás.
Caminho de costas quando
Os desenhos contornam minhas bordas.
Os pássaros regressam. Anoitece,
Sobre os lírios de um céu
Apaga o sol outra estação
Nas primaveras noturnas das florestas
As plantas de outra sexualidade
Adormecem qualquer estação de origem
E em tempo (invisíveis)
Suas raízes crescem aos céus.

 

 
        
            
 



 

sábado

Ao destino em que desenhas no ar

Entre duas portas abertas
tua memória avança pela esquerda
noutra fazes caminhá-la para trás.
É cíclico o caminho. Num, mímicos de ensaios leves
noutro, todos de vermelho vendem ingressos da dor.
E pensastes, seria fácil o caminho?

As gavetas antigas suportam os esquecimentos dos homens
as feridas de quando dilacerastes um espelho ainda cicatrizam .
O mundo é um ensaio branco e suas mãos
dançam fantoches de fantásticos contos.
Queríamos desejar a felicidade, mas ficaram as feridas.

Um satélite toca do céu a lua,
um corpo de amor brilha por dentro da vértebra
avessa dessa vértebra, chegas ao destino
em que desenhas circular:  o amor é sempre o amor
com suas saídas nos amamos no ar. 



Onde renasce o silêncio




Hoje o mundo veio a forma de dois campos
De colheitas. Num vesti a roupa dos trigais
Noutro, os pássaros fizeram do corpo morada.
Seria essa a biografia conjugada
Aos vegetais, um corpo erguido ao ar
Migratório das cercanias do coração.
Para o dia que nasce, para a folha que morre
Veio até mim a claridade,
Sinal áureo que renasce
Acima de mim e dentro
A puxar o condão do mundo
Da vida tornada planta ou raiz numa perda
Verdejante quando palpável ao olhar.
A espera perde-se incomunicável
Para vê-la renascer num silêncio.