domingo

As cidades que em mim somente passam


Lisboa tem gosto de mar
Teu canto sorve o rio
E deságua latente
Rosas na voz.
Acordo com a pele
Acenando sal como se fossem
Os sais coagulados de um adeus
Aprumo os lençóis nas manhãs
Para ser outra. Partida como se
Chegasse em cada palavra sonora
Ao que escutasse uma comitiva
De desterro e exílio
Lugar algum.




Pelo vale industrial







Guardo fretas na memória

Foi o som das colheitas como que inventassem acordes
O que novamente nos acordou. Em frestas
De um corpo a caminhar em silêncio pelo outro lado,
Foi o som o que nos acordou, outra vez dos passos
Pelo vale industrial desabitado. Num imenso eco da vida profunda
Víamos multidões onde não as havia, apenas rumores de bossa
Bolhas de esgoto industrial, rio morto, boi morto
A verdade sobre a verdade de um inseto que pousa
À sombra da gaivota que num lampejo desaparece.
Nesses dias os sons eram mais altos que a ilusão
Noutros, tinham a voz, como que pudesse alcançar um Deus
E libertá-lo dos esgoto feito de ferrugens, para que dentro dos acordes
Outros rangessem ruídos de inventar semeaduras. 

                                             * * *


Depois

Depois do instante que se queria eterno
Depois que a falta ganhou seu aprumo de definição
Sonhar que ela seja um sopro
Que do coração solta a palavra
E a cima dela um tronco de ar
Destilado desafinada
Canção para depois
Daquilo que se quis eterno
Seja um instante para sempre
Na memória, o rio que corre sempre
Pelo contingente em veredas
É o possível do infinito laço
Da ponte do além.