segunda-feira

Contornar o fino fio


Não sou o que digo
Mas é como se fosse
Digo gaivotas asas feridas
Em queda dentro de duas brancas
Pupilas ao vento. Elas voam.
Num ato de deslocamentos
Entre o instante e o antigo
Entre a terra e o céu
Como se dizer estivesse fora do que eu digo
Como se quando eu falasse
Algum recorte de mim
Fosse um fio sobreposto de imagens
E fosse esse céu
Onde avisto gaivotas
Regressando dentro da língua
Essa espécie de duplicidade
Presentes em duas asas abertas
Presentes ao dizer assim contornar
As sílabas pelo fino fio
Será um jogo de alegrias
Seria jogo de tristezas
Ou um jogo de alma e corpo
Prévia anunciação
A algum recorte que fita
Dentro desse meu olhar, teu olhar?

domingo

Entre som e o silêncio




Tu vinhas sem um nome e fizestes
Da fábula um berço
Caminho, entre o som e o silêncio.
Vinhas sem nome de um alfabeto ágrafo
Suspenso em um invólucro de nuvens.

Quando fizestes do corpo a nudez
Negastes a luz para fechar os olhos
E ver como as nuvens ficam nuas
Magenta, madureza, música de pisares

O céu. Mas ao vê-la, luz interior,
            Tudo isso sabia de cor

            Como em ti a entrega de um corpo.

sábado

Na escuta de outros rumores




(o que se faz escuta de outros rumores
se inventa nos sonhos mais antigos).


Ao segurar uma lupa confere
Entre sombras essa matéria
De efêmero.

Aproximas aos sinais da terra
O nome a qualquer profecia
De futuro.

Poderíamos nos agarrar em raios de sol
Vestidos de capas azuis celestes
A estampar em avenidas
Os sons desgarrados

Entre o saber e o medo, uma saída
Aos abandonados
Aos que silenciam no olhar

O que percebe que entre a relva
Adormecem os sons os sonhos
As selvas e os gestos recolhidos
Por qualquer estação da existência.

Alguém ao longe ecoasse: fosse
Em tempo de colheitas
As semeaduras do estágio
Anterior a fragilidade.

Mas o futuro em flauta
Ascende na andança
Trajado de árabe mouro
Galopando mui eloquente
Desfiando em punho
A espada do destino a lança
Sobre o gesto e dança
O sinal da linguagem
Em consciência onde a palavra
Toma forma e desfaz
Da matéria iniciática
O seu percurso de borboleta
Negra metamorfoseada
Em asas andaluz refletidas
Em azuis, em dois olhos

A aprender a ciência secreta
A sombria névoa dos animais
Desgarrados do bando
Sozinhos, nômades, ao sol. 






O mar inteiro dentro da voz soletra sóis e chora quando se derrama em cântaros

segunda-feira

Anoto em caligrafias brancas


Anoto em caligrafias brancas
Um pedaço de vida rasurado
Como seria vida
A lida que aquece a linha
Sem esse laço perdido?
O sol nos amarra em um raio
Para o mundo afogar
E dentro da ciência do amor
Revivemos essa tarde de abril
Com nome de despedaço
Eu que lhe darei devaneios
Para a sintaxe do corpo
Condensar o real em memória
Quando os ruídos das pedras
Secarem o nome debaixo de lágrimas.