quarta-feira

Reparação.


   Fazia quinze anos que não se viam. O grande amor ficou suspenso como um samba, mudando de calçada quando aparecia uma flor. E de repente, com todas as improbabilidades, a flor aparece na calçada de cá também.    
    Entram na agência bancária. Tudo está seco e cinza lá fora, como um feriado de repartições públicas. Parece o fim do mundo, com pombos anunciando que não é bem assim, não é bem assim, e papéis sujos tentando se transformar em pombos mas sempre regressando ao meio-fio. Venta. Um vento cinza.
    Mas a camiseta dele é vermelha com letras brancas e por um instante ela acredita ler ali: GORMENGHAST. Por que diabos Gormenghast? Sentados, esperam por alguém que está na fila do banco. E a conversa vai aproximando seus lábios, até que se beijam. Quinze anos depois e assim de repente. Ela diz: se eu te disesse como pensei em você durante esse tempo todo. Ele diz: se eu te lembrar das cartas que te mandei e que ficaram sem respostas. Ela diz: mas eu era tão nova ainda.    
    Sabe que ali o mundo se recria. Será que vai reconhecê-lo nesta camiseta vermelha? Será que a vida dele é a mesma? A cor dos olhos sim. A cor dos cabelos não.
    Ela pensa com força para fixar este mundo. E acorda com o vento batendo na porta.

Adriana Lisboa (Caligrafias)

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