quinta-feira

Oração dentro de uma fotografia.

O dia era nublado sua memória tornava-se nublada resvalada pelo esquecimento, fora o tempo de escrever e ela apenas deixou que tudo passasse. O passado não chegava com hora marcada nos batendo na porta, ainda esse passado ficara na outra margem do rio, bens sabes, uma mulher não se banha duas vezes no mesmo rio.

Se não fosse pelo fato de que ninguém hoje em dia se banha mais em rios, se não fosse por essa civilização, o mesmo motim das brigas primeiras enquanto ela inteira nômade e selvagem inteira feroz como os animais suas cidades em senhas silenciosas abrindo descampários infinitos, ele inteiro racional e civilizado como se os séculos das luzes refletissem em seu corpo, algo mais do que as águas refluíssem.

Não entro no rio para me banhar, vou me afogando lentamente até que encontre demoradamente essa outra que me acena e me socorre no futuro.
       
Contruir a ciência com essa mulher do futuro, ela que me acena com aquele vestido branco de primeira comunhão. Uma confusão, a mulher que me acena se parece com a outra que se despediu, ambas com um vestido engomado sujo de terra vermelha na bainha.

Tento lhe perguntar, a voz se perde, roucamente me saem algumas palavras -  te deixaram brincar no barro em dia de festa? - ela não me responde e eu me sinto a mais inútil dos seres, certamente deixaram-na, a resposta pode ser muito óbvia.

Contruir novamente, a ciência da roda de bicicleta, do comboio de corda, da semente para colher do sêmem aves em dois pares de olhos verdes.

Se não fosse pelo simples fato de haver uma memória em tudo isso talvez não seríamos tão humanos e não haveria ninguém que aqui escrevesse pela memória que se abre ao ver a fotografia.
       
Um mundo inteiro passou por ali, uma vida inteira, bens sabes.
Assim se despedaça um dia na moldura de uma fotografia antiga. Olhando-a nasce um pedaço de mundo. Poderia ter sido, poderia ter sido a vida inteira, não foi. Depois os olhos partem mais um pouco de tristeza. Ela para e pensa na amiga morta em Judy.


                                  * * *




Nenhum comentário:

Postar um comentário