domingo

As conchas as cigarras e outros murmúrios



O murmurar das conchas onde antes era silêncio. Crescer ocorria por sons, por tilintares ao que antes escutasse o correr pela terra vermelha sujando a saia de tule branca. Crescer era correr pela terra de barro batido, sujar o branco em vermelho era apenas um acréscimo. Os remos de um barcos são apenas acréscimos, uma camada de sentido a mais. Crescer devia saber da embriagues dos homens e pensar em Deus como um ente espalhado em grãos de areia pela pele transpirando sal ou uma espécie de saudade pelo cheiro da comida de nossa terra, devia ser reconhecer em todas as imagens e rostos apenas sons e cheiros, ou olhar pelas coisas e vê-las ressoando sua inteireza no mundo, objetos e pessoas ressoando como sinos, um compasso. Mas são as coisas pequenas de quando ouço aquele tilintar de guizos de um circo na chegança da pequena cidade ou mesmo o sino de um cinema mudo e uma mulher estrangeira de si mesma debruçando-se sobre o balcão em vermelho uma flor de algum posto de gasolina num deserto da Argélia ou mesmo Atacama. Os objetos ressoam quando passam por mim: deserto, ônibus, madrugada. Pensei que nunca me perderia se pudesse lembrar daqueles nossos momentos juntos mas é que voltar para essa cidade desconhecida já pouco importa o chão sobre nossos pés, voltei a acreditar em Deus e posso reconstruir nosso filme restituindo na memória os gestos fugidios de nós dois. Sei até a cor preferida de teu céu, um azul celeste invade aquele sótão da memória e não faço esforço para sair dessa pele e passar para tudo aquilo que respiras. É verão eternamente escuto as cigarras, onde era silêncio. 

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