Qual!
Não posso interromper o Memorial;
aqui me tenho outra vez com a pena na mão. Em verdade, dá certo gosto deitar ao
papel cousas que querem sair da cabeça, por via da memória ou da reflexão. Venhamos
novamente à notação dos dias.
Desta
vez o que me põe a pena na mão é a sombra da sombra de uma lágrima...
Creio
tê-la visto anteontem na pálpebra de Fidélia, referindo-me eu à dissidência do
pai e do marido. Não quisera agora lembrar-me dela, nem tê-la visto ou sequer
suspeitado. Não gosto de lágrimas, ainda em olhos de mulheres, sejam ou não
bonitas; são confissões de fraqueza, e eu nasci com tédio aos fracos. Ao cabo,
as mulheres são menos fracas que os homens, - ou mais pacientes, mais capazes
de sofrer a dor e a adversidade... Aí está; tinha resolvido não escrever mais,
e lá vai uma página com a sombra da sombra de um assunto.
Também,
se foi verdadeiramente lágrima, foi tão passageira que, quando dei por ela, já
não existia. Tudo é fugaz neste mundo. Se eu não tivesse os olhos adoentados
dava-me a compor outro Ecclesiastes, à modernam posto nada deva haver moderno
depois daquele livro. Já dizia ele que nada era novo debaixo do sol, e se o não
era então, não o foi nem será nunca mais. Tudo é assim contraditório e vago
também.
Memorial de Aires . Machado de Assis
eclesiastes: "o que foi é o que há de ser; e o que se fez isso se fará: de modo que nada há de novo debaixo do sol".
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